Saudações.
A Melanésia é uma sub-região da Oceania, no extremo oeste do Pacífico, a nordeste da Austrália. Inclui, dentre outros, os territórios de Nova Guiné, Ilhas Salomão, Vanuatu, Nova Caledônia e Fiji.
Foi na Melanésia, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu o fenômeno ao qual recorro para ilustrar meu argumento de hoje.
Naquele lugar, mais ou menos ao mesmo tempo, fenômenos religiosos semelhantes surgiram entre nativos de diferentes tribos, muitas das quais sequer tinham contato umas com as outras. Em comum, o culto a figuras míticas que, mediante rituais de adoração, literalmente mandavam dos céus comida e bens materiais.
Como forma de atrair as bênçãos misteriosas, os nativos construíam ídolos à semelhança dos seres mitológicos. Eis um exemplo:
Os “deuses” eram, na verdade, aviões militares em operação no Teatro do Pacífico, que lançavam de paraquedas provisões e equipamentos originalmente destinados a suas respectivas tropas e aliados. Eventualmente as coisas caíam no lugar errado e acabavam encontradas pelos nativos.
Estes, por sua vez, confrontados com máquinas voadoras sem semelhantes em sua experiência de mundo imediata, concluíam se tratar de coisa de outro mundo.
Essa história deu origem à alegoria do cargo cult, que é uma alusão à tendência, em certos grupos humanos, de criar teorias miraculosas para interpretar certos fenômenos.
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Existe um cargo cult no mercado brasileiro, que tem como figura suprema o investidor gringo.
Grande parte dos investidores brasileiros parece acreditar fielmente que o investidor gringo sabe mais a respeito do mercado brasileiro do que os investidores locais. Que seu ponto de vista, diretamente do miolo do centro nervoso do sistema financeiro mundial, lhe confere uma capacidade de leitura do que se passa por aqui que é inacessível aos tupiniquins.
O gringo sabe investir no Brasil melhor do que os locais. Ele detém as informações que os poderosos não querem que você saiba.
Como consequência, muitos pequenos investidores se sentem tentados a pautar seus investimentos naquilo que, supostamente, o gringo está fazendo.
Em certo período da minha carreira, trabalhei atendendo investidores institucionais locais e estrangeiros. Parte relevante do meu dia consistia em telefonar para analistas e gestores de grandes fundos americanos para compartilhar os meus achados de pesquisa por aqui.
Na maior parte do tempo, eles me davam pouca atenção: ou apenas ouviam meu pitch por educação, ou o retribuíam com algum comentário vago. São pouquíssimos os episódios nos quais minhas interações com investidores estrangeiros me trouxeram insights significativos em relação às coisas que se passavam por aqui.
Outra parte do meu dia era dedicada a falar com clientes institucionais brasileiros. Te digo com tranquilidade que, nesses grupos, figura maioria das pessoas mais inteligentes e astutas que eu já conheci. Frequentemente saía de um call com a certeza de que meu interlocutor dominava o assunto muito mais do que eu. Era estressante, mas extremamente estimulante.
Com o tempo eu entendi: contrariando a crença do cargo cult, o investidor gringo médio tem um conhecimento bastante superficial do Brasil e suas vicissitudes. Somos um país distante, com um histórico de instabilidade, uma classe política exótica. Somos frequentemente incluídos numa “cesta de países emergentes”, acompanhados de nomes como México e Turquia, com os quais qualquer semelhança imediata escapa completamente à imaginação do brasileiro médio.
Na maioria dos casos, o gringo tem uma visão extremamente simplória da nossa realidade. Os deuses não são tão interessantes quanto a ideia que fazemos deles.
E a razão de ser disso não é qualquer tipo de desdém: é porque somos pequenos. O número de empresas brasileiras listadas com valor de mercado superior a 1 bilhão de dólares não faz sombra ao cardápio disponível na NYSE – para o qual, inclusive, há muito mais cobertura de analistas.
Quando vemos o tal do fluxo gringo intensificando, isto não é sinal de que eles sabem de algo. O que ocorre, na maioria das vezes, é a movimentação de poucos pontos percentuais de imensos portfólios para passar a incluir alguma representatividade de Brasil.
Para eles, é mais um dia de operação no Teatro do Pacífico. Para nós, são os deuses mandando presentes dos céus.
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Outro exemplo de cargo cult é o monitoramento de movimentações de grandes investidores. A notícia de que Fulano comprou x% da empresa XPTO repercute de forma bombástica entre pequenos investidores: se ele está comprando, é porque ele sabe de alguma coisa ótima. Quando vamos ver, contudo, a tal “aposta” representa uma parcela absolutamente ínfima do portfólio, uma alocação muitas vezes decorrente de não mais do que um estudo preliminar.
No fundo, o acompanhamento frenético do que o outro está fazendo é uma confissão de insegurança com relação ao que nós próprios fazemos. Terceirizamos o processo de descoberta, de formação de convicções, de tomada de decisão, basicamente por duas razões: se der certo, consegui resultado com pouco esforço; se der errado, a culpa não foi minha.
É duro. Mas, no fundo, é isso.
Não pressuponha que o investidor gringo sabe mais do que você. Não pressuponha que uma aposta ínfima de um figurão em uma empresa desconhecida é um sinal para você vender sua casa e dar a “grande tacada” da sua vida.
Não existe atalho. Quanto antes você se convencer disso, melhor para o seu dinheiro.
Um abraço,
Ricardo Schweitzer