Saudações.
A última quarta-feira representou um marco importante para os mercados: não é exagero dizer que o mundo inteiro parou à espera da divulgação de resultados de uma única empresa: a Nvidia.
Extremamente conceituada por suas placas de vídeo, a Companhia repetidamente experimentou ventos favoráveis nos últimos anos, na esteira de diversos ensaios de novos paradigmas tecnológicos: criptoeconomia, metaversos e, mais recentemente, inteligência artificial.
Os números do 4T23 superaram com grande margem as expectativas de mercado e renovaram máximas históricas. A capitalização de NVDA sozinha já ultrapassa toda a bolsa brasileira.
Em meio a isso tudo, muitos investidores se veem frustrados por não terem surfado essa onda. É a esse grupo (no qual, aliás, me incluo) que escrevo hoje.
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Uma análise retrospectiva nos ajuda a entender nossas limitações quando o assunto é antever disrupções tecnológicas. Pensando especificamente no mundo dos investimentos, o convite mais atraente é a revisitar o passado do mercado americano ao longo dos séculos XIX e XX.
A ascensão do mercado de capitais nos EUA praticamente se confunde com a história das ferrovias – que, de fato, mudaram o País. A história se repetiu com a eletricidade e as telecomunicações. Novamente, com a informática. Já no século XXI, com a internet – e, para os propósitos deste artigo, já podemos parar por aqui.
Todos esses ciclos parecem ter traços em comum.
Em primeiro lugar, a efetiva compreensão da magnitude das transformações só foi possível a posteriori. Mesmo indivíduos em posições privilegiadas para surfar cada uma dessas novas tendências – refiro-me, aqui, a pessoas com conhecimento específico daqueles segmentos – não pareciam, geralmente, de fato compreender o tamanho das mudanças que elas representavam.
O que dizer de pessoas normais?
Em segundo lugar, a mortalidade de empresas nesses segmentos sempre se mostrou bastante alta: em meio a um enorme número de competidores em cada corrida do ouro, identificar quais participantes efetivamente prevaleceriam sempre se mostrou uma tarefa demandante de altas doses não apenas de conhecimento, mas também sorte. Warren Buffett muito bem demonstrou isso em uma antiga carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, tomando, por exemplo, o boom da informática: muito embora não restassem dúvidas de que se estava diante de um momento de importante disrupção tecnológica, a efetiva seleção das empresas vencedoras era uma tarefa quase impossível: a maioria pereceu. E, dentre as sobreviventes, pouquíssimos investidores teriam sido valentes a ponto de preferir Apple a IBM, por exemplo.
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Um terceiro traço bastante comum – e esse merece especial atenção – é a tendência dos mercados de, em meio à euforia, superestimar nos preços os desdobramentos das novas tecnologias. Em todos os casos aludidos, os valuations atingidos nos auges dos respectivos ciclos raramente foram revisitados.
E isso decorre, em grande medida, do famoso FOMO — fear of missing out, ou medo de ficar de fora. Um fenômeno que frequentemente acomete os mercados em momentos de euforia, por um conjunto bem conhecido de motivos. Destaco dois deles:
De um lado, investidores têm a forte tendência a formar expectativas de desempenho futuro para os ativos com base em seu desempenho passado. Ou seja: se algo subiu, é possível que continue subindo e vice-versa. Poucos momentos são tão propícios para convencer alguém a comprar uma ação do que imediatamente após um significativo ciclo de alta.
E aqui surge um descompasso importante entre expectativa e realidade: independente de nosso grau de certeza sobre o valor justo de um ativo, é seguro dizer que, no curto prazo, a sua margem de segurança é menor após uma valorização do que imediatamente antes dela. Por consequência, o comportamento racional deveria ser de aumento de cautela, e não de otimismo. Sabemos, no entanto, que o que ocorre na maioria das vezes é exatamente o contrário.
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O segundo aspecto diz respeito principalmente a investidores institucionais: ficar para trás em momentos de euforia é frequente motivo de preocupação, porque frustra os quotistas e pode se traduzir em resgates. Como consequência, movimentos prolongados de alta tendem a pressionar os investidores a acompanhar a manada, retroalimentando o fluxo comprador sob o risco de descolamento de preços e fundamentos.
No entanto, como expus em meu artigo anterior, sigo acreditando que eventualmente preços e fundamentos se reencontram. E, portanto, abraçar cada ciclo desses de peito aberto pode ser perigoso.
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Beleza. E Nvidia?
Após um crescimento de lucros de quase 290% nos últimos 12 meses, o consenso de mercado espera uma expansão adicional de 80% neste próximo ano.
Se essa expectativa se concretizar, NVDA negocia a mais ou menos 32 vezes lucros – um patamar que, embora aparentemente elevado, não é muito diferente do que se vê em empresas como Apple (27x), Meta (24x), Microsoft (24x) e Alphabet (21x). Todas empresas com expectativas de crescimento muito menores.
Ou seja: se as expectativas de crescimento do consenso de mercado se concretizarem, o preço atual não é nenhuma loucura. Resta saber se tais expectativas são realistas ou não – e essa é uma pergunta para a qual eu francamente não tenho resposta. Se forem, está “no preço”.
Espaço para apreciação adicional viria basicamente de um novo ciclo de superação de expectativas – tal qual vimos ao longo de 2023.
Um abraço,
Ricardo Schweitzer