Saudações.
Duas semanas atrás eu enviei para você a primeira parte deste artigo – que também pode ser encontrada neste link, caso necessite refrescar a memória – prometendo a continuação na semana seguinte.
Meu segundo filho nasceu (bem) antes da hora e isto prejudicou o cronograma. De qualquer forma, vamos adiante.
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Imagine a seguinte cena: você decide comprar um carro… usado.
Suas alternativas são, basicamente, procurar por oportunidades em sites especializados ou visitar revendas multimarcas.
Em qualquer um dos cenários, uma coisa é certa: o carro será apresentado a você como um exemplar impecável, de único dono, baixíssima quilometragem, absolutamente imaculado e a um preço de ocasião.
A depender de sua experiência com automóveis, você fará uma análise mais ou menos detalhada do veículo, em busca de indícios de imperfeições. Será que a pintura é original ou há retoques? Temos sinais de funilaria? Será que esse carro já bateu? Será que o odômetro foi adulterado?
Você olha, olha, olha… e, por mais experiência que tenha, nunca terá 100% de certeza de que o carro é o que parece aos olhos. E a consequência é a tendência de se dispor a pagar menos pelo veículo do que você pagaria se tivesse total convicção de que tudo está bem.
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O problema do mercado de carros usados foi objeto de um interessante paper do economista George Akerlof, em 1970 – sim, estamos falando de algo publicado há cinquenta e quatro anos.
A situação narrada é de um mercado onde a informação é incompleta – ou seja, o vendedor sabe mais das características do produto do que o comprador. Sem saber se está diante de uma pechincha ou um presente de grego, a tendência dos compradores é de, na média, precificar um cenário pior. Como consequência, quando temos um bom carro usado o negócio fechado tende a ser sensivelmente melhor para o comprador do que para o vendedor.
A essa altura você deve estar pensando o que isso tem a ver com dividendos. Pois bem…
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Uma das soluções para condições de informação assimétrica é a criação de algum tipo de mecanismo de sinalização da qualidade do “produto”. No mercado de carros usados, isso apareceu na forma dos seminovos com garantia. A mensagem do vendedor é: eu estou suficientemente convicto da qualidade do que estou vendendo para garantir a integridade dos componentes e diminuir o risco financeiro do comprador.
Não por acaso, veículos com garantia, adquiridos de vendedores percebidos como “mais confiáveis”, tendem a ter preços um pouco mais altos do que automóveis sem garantia comprados de algum anunciante aleatório de uma Webmotors da vida.
Pois bem: da mesma maneira que o proprietário do carro usado tem mais informações a respeito dele, do que um candidato a comprador, a mesma situação se apresenta nos mercados. Por norma, os executivos das companhias dispõem de mais informações a respeito da situação dos negócios do que o público – o que é absolutamente natural, na medida em que i) a publicidade irrestrita de informações seria prejudicial à condução dos negócios e ii) mesmo sobre o que público está, o nível de entendimento a respeito dos meandros de cada mercado é diferente entre profissionais da área e investidores generalistas.
Nesse sentido, uma política de dividendos consistente exerce um papel importante de sinalização a respeito da saúde financeira da Companhia. Conscientes de que lhes é impossível saber tudo a respeito do negócio, acionistas encontram conforto nos pagamentos periódicos – e, principalmente, interpretam mudanças ou suspensões nos pagamentos como sinais de que algo pode estar mudando nas entranhas das Companhias.
Esta é a principal razão pela qual, contrariando as conclusões do artigo clássico de Modigliani e Miller, os preços de mercado das ações tendem a reagir a mudanças nas políticas de dividendos. E isso explica bastante bem a reação do mercado às idas e vindas em torno dos dividendos da Petrobras.
Veja bem: estamos falando de um artigo de 1970 – publicado “apenas” 9 anos após as proposições de MM. E, mesmo assim, a internet está cheia até hoje de gente estacionada em 1961.
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Mas ainda tem mais.
A teoria “tradicional” assume que os executivos, que detêm mais informação sobre os meandros das Companhias do que seus acionistas, têm interesses perfeitamente alinhados com os investidores. Ou seja, que eles sempre agem visando o melhor interesse da empresa.
Não é preciso muita imaginação para concluir que, no mundo real, essa premissa muitas vezes não é verdadeira. E, ao abrir mão dela, temos novas repercussões sobre as ideias dos anos 60 ainda hoje tão propagadas.
É sobre esse desafio que falaremos na semana que vem.
Um abraço,
Ricardo Schweitzer